terça-feira, 10 de maio de 2016

O dia em que sai de casa


A fuga de um ser cativeiro de suas amarras


                 Eu era adolescente, de uns 15 anos mais ou menos. Eu sentia raiva de morar naquela casa, sentia raiva da minha mãe, sentia raiva do meu pai. Eu me sentia muito mal e sempre fantasiava que eu morava com a família da minha amiga Fernanda. Aquela sim era a família dos meus sonhos. O pai dela não gritava com ela, como o meu pai fazia comigo. A mãe dela era super companheira e amiga, ao contrário da minha que era autoritária e me cobrava o tempo todo.

                Uma tarde, estava só a empregada na cozinha e eu estava sozinha na casa. Estava muito angustiada, com vontade de sumir daquela casa. Minha mãe havia me proibido de ir para a casa da minha amiga, eu não sei o porquê. Sei que minha mãe nunca gostou das minhas amigas. Ela olhava feio e com desdém para a Fernanda, ou qualquer outra pessoa que eu levava lá em casa. Eu nunca me sentia à vontade e livre para levar quem quer que fosse. Me sentia muito mais em casa e a vontade quando estava na casa da minha melhor amiga do que na minha própria casa. Adorava os pais da Fernanda e os via como meus pais dos sonhos.

                Nessa tarde eu fiquei por um bom tempo em pé olhando pela janela da sala, em direção a casa da dela. O sentimento era de angustia, pavor e medo. Meu coração dizia para eu ir correndo para a casa dela pois lá era um refúgio para mim, lá me sentia de verdade em uma família enquanto minha mente, insistentemente me lembrava o que me esperaria na volta, se eu saísse sem permissão.

                De repente me veio uma coragem, peguei a chave de casa e sai. Fui em direção ao meu objetivo, ir para onde gostavam de mim, onde me tratavam bem, onde ninguém gritava comigo, onde ninguém me cobrava nada, onde todos me aceitavam como eu era. Foi esse sentimento que me impulsionou a começar a dar os passos naquela direção, a direção da felicidade.

                Chegando lá, como de costume, fui muito bem recebida. Fiquei com eles, curtindo cada um deles, os pais, os irmãos dela, curtindo a amizade dela. Me senti em família, me senti acolhida, recebida, abrigada. Que família maravilhosa era aquela! Mas o tempo foi passando, e eu sabia que aquele momento estava fadado ao fim. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que acordar daquele sonho maravilhoso e voltar para o meu pesadelo.

                Eu não queria sair mais dali. Queria poder ficar eternamente com eles, sendo parte da família deles, mas a dura realidade logo se fez presente quando minha amiga perguntou, se meus pais não iriam ficar preocupados, por conta da hora e sugeriu que eu ligasse para eles dizendo que eu estava ali na casa deles. Nesse momento um pavor tomou conta de mim e disse a ela: “não liga para eles, pois não sabem que estou aqui”

                Ela então com sua mãe, tentaram me convencer de que eu precisava ligar para a minha mãe e avisar que eu estava ali. E me perguntavam se já não estava na hora deu ir para casa. Não quis ligar e pedia para que ninguém ligasse. Eu pedia por favor para não ligarem para me buscarem. Mas, em um certo momento, eu percebi que a mãe dela estava ligando para a minha mãe. Quando vi, sai correndo, arranquei o telefone da mão da mãe da minha amiga e simplesmente paralisei.

              Não sei explicar o que me deu nesse momento. Eu ouvia tudo e via tudo, mas não conseguia mover um dedo. Eu estava totalmente paralisada, em choque. Minha amiga, ficou tentando me trazer para a realidade. Ela acendia e desligava a luz para ver se minhas pupilas reagiam e não, ficaram dilatadas. Até que eu ouvi a voz da minha mãe. Ela entrou na casa da minha amiga e não sei como eu voltei em mim e fui embora com ela.

            Claro que minha mãe ficou muito brava comigo e preocupada ao mesmo tempo. Até me levou ao pronto-socorro para saber se eu estava bem. Minha mãe ficou me questionando o porquê deu ter feito o que fiz. Na época, eu não sabia ao certo e também não quis me abrir para dizer o que eu estava sentindo. Não havia abertura com meus pais para que eu pudesse relatar exatamente o que eu sentia e pensava. Com uma mãe autoritária e manipuladora, era difícil eu me sentir a vontade para falar qualquer coisa que fosse. Meu pai então, menos ainda. Ele era a pessoa mais fechada da face da terra. Não se abria sobre sentimentos por nada desse mundo.

               Acho que até hoje minha mãe se pergunta, o que foi que houve nesse dia. Quem sabe um dias desses, bem futuramente, ela saiba pela minha boca, tudo o que passei, senti e pensei ao longo de minha pequena vida de criança e adolescente. E mesmo depois de muitos anos, lendo e escrevendo essas linhas, a lembrança é implacável e certo pavor e angústia tomam conta do meu peito. Mais isso são outros quinhentos.

                 Nos vemos na próxima e....

NÃO ENLOUQUEÇAM!!!

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